Cadência

Faz uns dias que a primavera se fez e sinto que esta demorou mais do que o costume para chegar. Ontem eu me esqueci de regar as tulipas na garagem, um cheiro de jasmim brotou da gaveta das toalhas de banho e o céu ficou perturbadoramente violeta. Tudo cresce neste instante, justamente enquanto tento não acreditar que brincos-de-princesa não enfeitam mais nosso quintal. Aliás, nosso talvez já não seja o correto, o meu. Sim, o meu. Mas ainda faço a mesma quantia de arroz todo dia, duas xicrinhas. Sobra tanto que não sei se deixo na mesa para quando você retornar da sua caminhada matinal ou se jogo aos pássaros que cantam entre as margaridas. Confesso que ainda não abri as duas portas do lado direito do armário conjugado, parece que estão trancafiadas de memórias invencíveis. Cada uma das roupas me lembra um sorriso seu, que traz outras coisas junto, como o seu jeito de parar com as mãos no bolso. Isso pode soar meio egoísta, mas a amargura nos meus dedos me impulsiona a lhe escrever: Você bem podia ser como aquela flor de plástico amarela que guardo na sala de costura e permanecer aqui, mesmo quando não é primavera.


Comentários

  1. E são tão coloridas quanto as flores vivas, apenas não têm vida.
    Lindo.

    Linkei seu blog sem pedir permissão, mas muito obrigada pela inspiração!
    =**

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  2. O céu perturbadoramente violeta e esse final fantástico só me fazem te agradecer por esse texto lindo.

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  3. A primavera te inspira, hein?! Mas, atenção, às vezes o mais colorido é falso e a beleza vira passageira.

    beijo

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  4. me deu uma angústia de perder alguém, mas ao mesmo tempo de uma forma bonita... ahhhhh perebinha, vc é maravilhosa. Amo vc!!!!!

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