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Mostrando postagens de março, 2009

peças de montar

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Laura vestiu seu melhor jeans e um tênis confortável para não sentir dor. Pôs-se a andar numa tarde de brisa gelada rumo a algum lugar que ainda desconhecia. Deixou seus suspiros ditarem quais seriam as ruas, os céus. Em outro lugar aquele senhor mais velho sentou-se num banco da frente da venda, a pensar no ontem, no fim. Enquanto isso as águas na lagoa continuavam num ritmo compassado, espelhando prédios, árvores e cabos. Os casais permaneciam abraçados, alheios aos olhares. As crianças alegres, como se fosse o mais belo passeio, a descoberta risonha de pedrinhas fazendo "ti-bum" na água. Eu parei para observar esse mundo louco e quase desapareci. De qualquer jeito a tarde foi chegando ao fim, com ou sem mim. Foto minha - Laranjeiras do Sul-PR.

alma entardecida

Pensou por uns cinco segundos e meio que não conseguiria escrever sobre algo assim, tão sem nexo, ou talvez com todo o sentido que pode haver na penitência insustentável de ser e viver por aí ou acolá na sequencia dos dias que se tornam meses e anos num piscar de olhos castanhos. O fato é que sempre as dez para as dezenove horas, mais ou menos (isso se for horário de verão), essa pessoa imune a descrições se concentra e levanta a sua face. Ah, definitivamente o céu é o que há de mais lindo, para sempre. E é engraçado como todas as cores daquele sorriso se misturam e flutuam ao redor das nuvens que parecem dissipadas pelos ares do fim do fôlego. Ela não entende como alguém pode passar mais de um dia sem reparar neste dom gratuito, que se veste de ouro em pó ao cair da tarde, com sua grandiosidade que se humilha ao olhar dos homens e mulheres que, por sua vez, se preocupam tão pouco com o que é observável e belo. Ao fim compreende que simplesmente não importa o que tenha acontecido na se...

garapa

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Os meninos crescem alheios à nossa vontade, assim como nascem. Olho para eles e suas barrigas salientes, cobertos apenas por suas fraldas enroladas em sacos de arroz, pulando descalços no chão de terra rachada, rolando pelo piso e falando palavras que não sei onde aprendem. Sinto que logo eles vão entender que eu fiz o que pude. Hoje nós almoçamos, então não tem janta. É que não dá pra comprar de um tudo com cinquenta real. Aqui anoitece cedo e amanhece doído. Uma dor que se alojou e não sei mais onde mora, dizem que é fome, mas acho que é castigo. Já pedi a tudo que é santo que me mande um sinal, se for pra gente sofrer, que pelo menos poupem os meninos. A cada dia uma nova mancha branca nascendo nas suas peles encardidas e o leite não digo que tem todo dia, porque ta caro, mas a gente põe uma açúcar na água, mexemos e daí eles bebem. Texto meu, baseado no documentário Garapa, de José Padilha. Foto: Print Screen do documentário.

as voltas que o mundo dá

"Lucien não se pronuncia assim, tão simples como se lê". Isso o rapaz dizia desde os primórdios dos seus dias, ainda quando vestia o shorts azul escuro surrado com lista lateral branca, na escola. No auge das suas duas décadas encontrou um emprego e embora cansado fisicamente ao fim de cada dia, sentia antes de dormir uma tranquilidade típica de quem tem fé na vida. "Lucien é um nome exótico, deve ser falado como no interior da França". Isso o homem já feito repetia aos quatro cantos, onde quer que perguntassem como se chamava. O mais interessante foi ter encontrado na mesma empresa onde trabalhava um menino que, além dos trejeitos, tinha algo a mais de parecido... Sim, o nome! Um Lucien numa empresa não é algo raro. Dois "Luciens de pronúncia francesa" na mesma empresa já pode ser considerado um fato que merece ser observado com mais calma. E quando o Lucien de 54 anos olhava para o de 22, sentia como se estivesse frente a um espelho. Um espelho desregula...

a cor do invisível

A gente podia fingir que é de viver, só e mais, rumo ao infinito mar. E ir. Ir sempre. Como quem vai sem saber para onde. Mas gosta tanto do lugar de destino que não se cansa de sorrir e de contar sobre tudo o que não se sabe se há, mas que sim, são coisas maravilhosas e indescritíveis. Porque pelo não vivido e o não sorrido realmente não vale a pena continuar.. são cenas que podem ser colocadas num baú marrom de guardar pó, sem dó. Pois aos poucos tudo vai fazendo morada e arruma um lugar perfeito no peito, e descobre-se que andar sem rumo não faz parar a dor, só a aumenta, num ritmo acelerado. De quando em quando há que parar, para deixar o ar conhecer o pulmão. Melhor contagiar-se do que é azul, ou laranja. Cores que nem Frida Kahlo descobriu nas roupas que pintou para si. Cores tão raras que nem o mais belo entardecer de março conseguiu descrever.