O sufoco

"Tira isso daí para eu sentar, porque mala não tem bunda", exalta-se a senhora de uns setenta e tantos anos com um menino loiro queimado do Sol que sentara junto com suas bagagens, ao mesmo tempo em que mostra a identidade para o cobrador com afinco, a fim de comprovar que não deveria pagar a passagem. Com essa cena corriqueira, começou a viagem. Onze reais e quarenta e cinco centavos. "Quer pagar esse preço e ainda deseja mordomia?" Quatro horas e quinze minutos para percorrer cento e setenta e alguns quilômetros. Sol tímido e vento cortante. Ao mesmo tempo, um ar abafado. Malas, pés, joelhos, crianças, sacolas, suor. Tudo junto, sensação de que não cabe mais ninguém. Parada solicitada, dois descem, quatro sobem. Tá, me enganei, cabia mais alguém. Silêncio. Parada solicitada. Um desce, dois sobem. Novamente estava errada, sempre cabe mais um, sempre. "A senhora vai até Imbituva? Não, até um trecho da estrada perto de Guamiranga". Do outro lado: "Que horror, como está cheio. Quase nunca é tão cheio assim". O ônibus pára no acostamento, mais cinco entram. Ninguém desce. Aperta mais um pouquinho que dá. Sempre dá.
Meu pequeno quadrado de trinta centímetros² fora reduzido durante os primeiros vinte minutos de viagem. E agora eu ocupava um retângulo estreito, sem saída. O homem do lado esquerdo, que tinha uma calça jeans dos anos 80, quis fazer graça, "já pensou se alguém vomita no ônibus?" - mal de brasileiro, sempre faz piada, debocha de sua própria situação, seria por um humor refinado, ou porque quer deixar a vida mais fácil? - Enfim, de qualquer forma, ninguém riu.
Eu não consegui contar quantos passageiros estavam ali, mas olha, definitivamente era muito mais do que o máximo permitido. Do que o máximo aceitável. Entre eles, Telma Roesler permanecia inquieta. Embora estivesse sentada, e num lugar privilegiado (ao lado da janela), a mulher do Mato Grosso do Sul não conseguia esconder a insatisfação com o meio de transporte "escolhido na marra", visto que não tinha uma linha 'convencional' para Imbituva no período da manhã. "Teria só às 17h10min, e eu não posso ficar até esse horário sentada na rodoviária esperando. Eu acho que isso é uma falta de respeito com o usuário", indigna-se. "Ah, e eles não queriam me deixar entrar com as malas! De certo eu viria do MS sem nada!", ironiza. Ela continuou contando que não recebeu as informações necessárias sobre como seria a viagem, e até se assustou quando lhe disseram que a passagem custaria apenas R$4. "Estou vendo isso aqui regredir, e isso me deixa muito triste, estou estarrecida", conclui, já com a mão direita na cabeça, e os cabelos esvoaçados.
Mas tantos outros ali não reclamam. Até acreditam que merecem sofrer um pouco mais. Com os corpos envelhecidos e o espírito acomodado e esperançoso, eles apenas desejam que o ônibus chegue logo lá do lado de lá.
E a menininha dos olhos verdes sorria como se tudo aquilo não passasse de uma brincadeira que ela ainda não conhecia.


Textos e fotos: Scheyla Horst.
Viagem: 10 de maio de 2008.
Saída: 9h45min - Metropolitano Princesa dos Campos.
Linha: PG - Imbituva - Guamiranga - Prudentópolis - Guarapuava.

Comentários

  1. Pensei uma coisa aqui: no dia que eu fui pra Guarapuava estava meio frio, com alguns pingos de chuva. Naqueles dias que ninguém abre a janela de ônibus se não fica todo mundo ainda mais molhado... Imagina se isso acontece? Olha, dei sorte. Consegui ficar bem quietinh ali. Até dormi! Enfim, voltando.
    É quase um descaso com a população que depende desses ônibus. Será que aumentar a frota não ajudava?

    Muito bom seu texto e as fotos também Scheyla! :D
    Beijos

    ps: que deselegância você ficar reparando no comentário dos outros em!? o.O
    hauhauhauhaua
    ^^

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  2. eh bacana...
    gostei dessa moça...ela naum eh taum bobinha quanto parece!!!!
    hahahaha...
    parabens Scheyla....bjo!!!

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