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Mostrando postagens de junho, 2011

Sobre fantasmas (ou quando ainda não se falava de ghosting)

“Martita não voltou a me chamar, nem me escreveu depois, nem soube dela. É claro que pode voltar a bater na minha porta no momento menos pensado, e muitas vezes fantasiei respostas vingativas. Por exemplo, dizer pra ela: “não, agora é tarde demais” e bater a porta na sua cara. Mas são só fantasias que, até bem pouco tempo atrás, eu juraria que era capaz de realizar, mas não, agora acabam de soar uns golpes na porta e estou completamente desconcertado. Passou muito tempo e eu já não sei se sou capaz de reconhecer o exato ‘toc-toc’ de Martita, acho que não deve ser ela, deve ser outra pessoa, outra confusão minha. 'Toc-toc’. Mas com Martita nunca se sabe e é obvio que eu não sei matar fantasmas.”  Mempo Giardinelli

Cuidado

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Eu e João fomos feitos para desentender. Por isso nossa relação alterna do afeto extremo à discordância imediata com a mesma facilidade que ele tem para quebrar coisas. Mas, se é domingo, e o céu está claro, estendo o antigo lençol azul com flores amarelas na grama, e tudo se ajeita. Os únicos sons disponíveis são o do vento por entre as folhagens do quintal e o da voz dele cantarolando músicas de composição própria. Não falamos nada um com o outro, só que ele me olha nos olhos e sorri, desatando os nós. Quando levanto e coloco-me num caminho qualquer perto da escada, ele me adverte com as mesmas palavras que usei horas antes: “cuidado, tia Schelya, é peligoso”. 

Conhecedora das flores

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Quem olha para os bordados de Lina logo pensa que não se trata de produção manual. As máquinas fazem coisas parecidas, sim. Em 1947, porém, enquanto o noivo servia o exército, ela pacienciosamente preparava o enxoval. Trabalhava na roça e levava os panos, fios e agulhas na bolsa. À noite, sob a luz de um lampião de querosene, criava flores. Nem preciso falar que não existiam sites com receitas e adquirir uma revista com dicas não era tarefa tão fácil. As cores, formas e tamanhos brotavam da sua própria imaginação. Poucos dos trabalhos daqueles dias resistiram ao persistente continuar do tempo. Alguns ela reaproveitou em outras propostas, como o belo bordado que fala em amor e foi colocado num quadro na cozinha. “Tenho vontade de ensinar o que sei, mas já não enxergo. Eu sempre brinco que minha cabeça manda, mas o corpo não quer obedecer mais”.

Terceira margem

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Por ter nascido órfã de sentido e capaz de sofrer daquela dor que circula entre a cabeça e o coração, tornou-se especialista na vastidão dos nadas, os quais gosta de abraçar especialmente junho. Só assim compreende o silêncio das folhas caindo [confessa que sempre olha para cenas que gostaria de tornar perenes]. Por ter nascido com poucos interesses e em dia ímpar, dispensa o acorrentar de querer-só-para-si, pois nada possui de verdadeiro além das intenções. “Para sobrar alguma coisa, melhor parar bem agora, ou a gente se empolga e dispensa o pensar”.